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Um dos maiores atrativos da Patagônia, Torres del Paine, parque nacional no sul do Chile, foi eleito a 8ª maravilha do mundo. Esse destino que encanta amantes de trilhas e montanhas oferece belíssimas paisagens, mas pode sair bem caro. Uma forma diferente de conhecer o parque, sem gastar muito, é fazendo trabalho voluntário.

AMA (Agrupación Medio Ambiental) é uma organização criada para trabalhar pela preservação de uma área privada do parque Torres del Paine. Para se inscrever o site é www.amatorresdelpaine.org. Eles oferecem dois planos de voluntariado, de 15 ou 30 dias de duração, que custam, respectivamente, 200.000 e 350.000 pesos chilenos. O valor pago inclui passagem de ida e volta a Punta Arenas, hospedagem e alimentação. A cada 11 dias de trabalho, 4 são de folga. O tempo na patagônia, principalmente mais ao sul, é imprevisível, mas tende a ser mais rigoroso no inverno, por isso o voluntariado ocorre apenas de outubro a março. Punta Arenas é a cidade grande, com aeroporto, mais perto do parque, e é por ali que muitos turistas chegam. De lá eu deveria pegar um ônibus junto com trabalhadores de Torres del Paine, já estava tudo acertado a meses, mas algumas coisas mudaram de última hora. Os voluntários passariam a ir com ônibus de viagens comuns e para isso deveríamos retirar nossas passagens no escritório da AMA na noite anterior.

Foram vários mal-entendidos, os diretores da organização só falavam espanhol e, ainda por cima, o Chile havia decidido estender seu horário de verão e por isso os celulares das pessoas marcavam horas diferentes. Acabou que cada voluntário chegou de uma maneira diferente e alguns só conseguiram ir no dia seguinte. No final deu tudo certo e deu para perceber que o pessoal da AMA ficou preocupado em garantir que todos chegassem. Foi apenas uma falha de comunicação e estou certa de que depois disso eles tenham ficado mais organizados.

De Punta Arenas cheguei a Puerto Natales, de onde saem vários ônibus a Torres del Paine, uma cidadezinha ao redor de um belo lago que aparenta viver apenas de turistas chegando ou indo embora do parque. Nas ruas há praticamente só táxis e as lojas de material esportivo se misturam a construções bem simples. Quem pretende acampar e se alimentar por conta própria durante as caminhadas já deve se preparar por lá, aproveitando para comprar as provisões necessárias. Chegando a Torres del Paine, as janelas dos ônibus já revelam vistas incríveis e todos se animam observando o que os espera. Na entrada do parque é preciso receber algumas instruções de segurança e pagar uma taxa, os voluntários não pagam. De lá os visitantes se separam para seguir rumo a seus destinos, o parque é bem grande e a passagem de ônibus dá direito a seguir até o local desejado. Lá encontrei alguns voluntários e o nosso coordenador e seguimos em direção a Las Torres, o hotel que fica próximo à nossa hospedagem.

Nos instalamos em um domo, uma estrutura circular que funciona como um quarto, cheio de beliches. Cada pessoa usa seu próprio saco de dormir, que deve ser bem quente, pois à noite faz muito frio. Há um sistema de aquecimento, como uma lareira, mas o fogo deve ser alimentado e durante a noite acaba se apagando. A energia vem de placas solares e garante o sinal de internet. Os celulares não pegam, mas dá para usar o wifi. Depois de alguns dias nublados a energia acaba, até voltar a fazer sol. O domo fica no meio da mata e para ir ao banheiro é necessário fazer uma pequena trilha. Essa área é disponível para acampamentos também, mas poucos turistas instalam suas barracas por lá.

foto: Cassie Wilson

foto: scott hardesty

São 4 refeições por dia, café da manhã, almoço, lanche e janta. Todas ocorrem em um refeitório para os funcionários do hotel. A comida é bem gostosa e sempre tem opção vegetariana. É uma oportunidade de comer pratos e ingredientes típicos da região. Os voluntários também podem aproveitar o serviço de lavanderia uma vez por semana. Como ficamos próximos ao hotel e compartilhamos das suas estruturas, acabamos tendo bastante convivência com seus funcionários. Essa é uma oportunidade para conhecer chilenos, a maioria de regiões próximas, e aprender um pouco da cultura local. Eles passam toda a temporada por lá, trabalhando duro e com poucas folgas. O espanhol do sul do Chile é mais rápido e cheio de gírias, no começo era difícil entende-los e até o fim eu sempre precisei pedir para falarem mais devagar. Alguns logo se tornaram nossos amigos, e com eles podíamos conhecer um outro lado da vida no parque. Fora essas pessoas, era raro encontrar com algum chileno, a língua mais falada no parque é o inglês. Muitos turistas vêm da Europa e América do Norte, e os voluntários também. Formamos um grupo bem coeso e passávamos o tempo todo juntos. O trabalho voluntário era bem variado, focado principalmente na preservação da floresta. A mata é composta por lengas e era com vários estágios diferentes dessa planta que nós trabalhávamos. O parque já sofreu com alguns incêndios e por isso é necessário estar preparado para uma eventual necessidade de reflorestamento. Nós cuidávamos de um viveiro de mudinhas de lengas próximo ao domo. Todo dia tínhamos que rega-las, além de termos replantado elas separadas com uma terra especialmente preparada. Outra tarefa era recolher sementes de árvores diferentes, seca-las, contar e organizar para mandar para um banco de sementes e garantir a variabilidade da informação genética da espécie. Um trabalho recorrente era ir à bodega, uma espécie de marcenaria onde fazíamos desde placas de sinalização até utensílios práticos para o domo. Também aplicamos enquetes com os visitantes do parque e fizemos trilhas em busca de uma espécie específica de abelha para descobrir se ela estava sobrevivendo à invasão de uma espécie estrangeira.

foto: Stef Godschalk

Algumas vezes trabalhávamos dentro do domo, contando sementes ou traduzindo o site da organização para inglês, por exemplo. Essas tarefas podiam ser entediantes, mas quando estava chovendo do lado de fora era reconfortante poder ficar próximo do fogo. Em dias mais bonitos, aproveitávamos para fazer atividades que exigiam andar bastante e permanecer ao ar livre.

Um dia fomos fazer a manutenção de um trecho de uma das trilhas do parque. Levamos ferramentas e ficamos podando as plantas que invadiam o caminho. Outro dia fomos fazer reparos em uma ponte velha. Consertamos as grades laterais e os buracos nas tábuas de madeira. Essas atividades exigiam bastante esforço físico e trabalho em grupo e eram muito gratificantes.


foto: scott hardesty

foto: scott hardesty

Todo o nosso trabalho ocorria na área ao redor do hotel Las Torres e por lá há dois quiosques que vendem lembrancinhas locais, chocolate, salgadinho e poucos outros alimentos. Não tem muita opção de coisas para comprar no parque e tudo é bem caro, mas os voluntários têm desconto. Também podíamos aproveitar as caronas, pois acabamos conhecendo todos os motoristas de ônibus que circulavam por lá e eles mesmo ofereciam nos levar quando estávamos caminhando até algum lugar. Por todo o parque, se você fala que é voluntário da AMA, pode receber descontos, tanto em transporte quanto em hospedagem. Há várias maneiras de se hospedar pelo parque, tem os hotéis, as áreas de acampamento e os refúgios, que são um meio termo, mais baratos que os hotéis oferecem apenas quartos simples com cama, para quem quer dormir em um lugar abrigado. A maioria desses locais também oferecem refeições. O transporte de suprimentos muitas vezes é feito pelas trilhas, a cavalo. Eles também oferecem serviços para levar os turistas ou suas bagagens.

Nos dias livres do voluntariado dá para aproveitar para fazer os trekkings mais famosos de Torres del Paine, o “w” ou o “o” podem ser percorridos em 3 dias. A trilha para as Torres nós fizemos todos juntos em meio dia de folga. Saímos bem cedo e vimos o nascer do sol lá, quando as torres se iluminam de vermelho.

Como vivemos no parque por esses 15 dias, também aproveitamos para fazer alguns passeios diferentes. Em um dia, subimos um morro o mais alto que pudemos, sem seguir nenhuma trilha, para ver o dia amanhecendo de uma outra perspectiva. Também aproveitamos para visitar a laguna amarga e os guanacos e flamingos que ficam por lá, as cachoeiras, o mirador condor, que para mim é o melhor lugar para observar toda a formação montanhosa do parque, o mirador cuernos.


foto: scott hardesty

Aproveitamos para pegar carona com um barco que levava mochilas para um refúgio e fizemos a trilha ao mirador do vale do francês. Chegando lá, só víamos névoa branca por todo o lado. Ainda assim era bonito e passamos um tempo contemplando. Quando íamos embora, uma fresta se abriu nas nuvens e alguns raios de sol começaram a revelar as paisagens. Havia montanhas por todos os lados ao nosso redor. A vista era belíssima, mas o que mais nos encantou foi ver tudo aparecendo aos poucos.


Passar todos esses dias em Torres del Paine é realmente incrível. Sempre nos levantávamos por volta das 8h, quando estava amanhecendo, e cada dia tínhamos uma visão diferente da montanha. Algumas vezes iluminada pelo sol, outras coberta por neve. Convivíamos com raposas e condores, pássaro símbolo da Patagônia. Tivemos também a chance de ver um puma por mais de uma vez. E acima de tudo pudemos contribuir pela preservação desse parque maravilhoso.


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