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Eu amo a Chapada dos Veadeiros. Depois de passar dois anos trabalhando em um documentário sobre a região (Ser Tão Velho Cerrado) e finalmente ter idos conhecer pessoalmente três meses antes, fiquei desolada com as notícias de que o cerrado estava pegando fogo. Durante a produção do filme conhecemos a realidade da região, que está sendo devastada pelas monoculturas de soja, e nos engajamos na luta pela preservação do cerrado e especificamente pela ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. O que aconteceu foi que os latifundiários, que só enxergam valor no dinheiro que ganham com o agronegócio, não aceitaram a decisão de uma área maior de proteção e resolveram colocar fogo na mata.

Aproveitando uma época de seca e seguindo a direção do vento para causar grande estrago, cada dia criavam novos focos de incêndio. As equipes que trabalhavam para apagar o fogo não davam conta e assim milhares de hectares de cerrado iam se destruindo. Da minha casa eu acompanhava as notícias e via aquelas paisagens maravilhosas que eu tanto gostava se transformando em cinzas.

Decidi ir pra lá e tentar ajudar de algum jeito, ficar assistindo de longe não ia dar. Como as passagens de avião tão em cima da hora estavam caras, enfrentei uma longa viagem de ônibus. Chegando em Alto Paraíso peguei uma carona até São Jorge e o que eu vi no caminho foi assustador. Todos no carro ficaram quietos, sem poder conter as lágrimas vendo aquelas cenas dignas do inferno. O Jardim de Maytrea, famosa paisagem a beira da estrada, estava já quase todo preto, sendo varrido por uma enorme parede de lavas. A fumaça sufocava tudo e uma chuva constante de pequenas cinzas caia do céu.

No dia seguinte me dirigi a uma vila de casas onde começava a se estruturar uma central para reunir os voluntários em seus esforços contra o fogo. As moradoras das casas da vila estavam engajadas na tarefa de acabar com os incêndios criminosos e cederam seu quintal, salas, cozinhas, móveis, internet, tudo que era necessário. Uma delas inclusive me recebeu para dormir em sua casa. Fui super bem acolhida lá e comecei a trabalhar no que eu pudesse para ajudar. Como não tinha experiência com fogo, fiquei contribuindo com a divulgação de informações pelas mídias sociais e vídeos.

Cada dia chegavam mais voluntários, brigadistas, equipamentos, doações, e assim começou a Rede contra fogo, que já era uma ideia antiga, mas se colocou em prática na hora da emergência. Foi uma mobilização sem precedentes, moradores locais, mídias tradicionais e alternativas, voluntários que vinham de longe e pessoas de todo o Brasil e outros países que se uniram para ajudar. Fizemos uma das maiores campanhas de arrecadação de fundos do país e assim pudemos comprar equipamentos contra o fogo e alimento para os brigadistas.

De uma hora para outra tínhamos formado uma associação gigante. Os comércios locais doavam alimentos, hospedagens receberam brigadistas de graça, montamos uma equipe de audiovisual, reuníamos as informações sobre novos focos de incêndio e organizávamos os brigadistas e equipamentos, recebemos animais resgatados e montávamos infindáveis kits de lanche para quem ia ao combate direto contra o fogo. Trabalhávamos felizes e com amor.

Mas assim como o empenho dos ativistas, a fúria dos ruralistas também era grande, e mesmo com todo o trabalho em equipe o fogo não se extinguia. Quando apagávamos um foco, se iniciava outro. Todos sabiam que tudo aquilo só acabaria definitivamente com a chegada da chuva.

Então choveu. O fogo apagou. O amor venceu o ódio. A natureza resiste.

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